segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Museu da Ruralidade - Novos paradigmas para a museologia

No âmbito das Jornadas de reflexão interna do MINOM, realizadas este ano em Monte Redondo, saiu a feliz ideia de desenvolver um conjunto de grupos de trabalho que dinamizasse a reflexão e a discussão dos caminhos da museologia nas suas mais latas abordagens. Num tempo de encruzilhadas, de horizontes escusos e de miragens feitas ou desfeitas nas realidades com que cada um se debate, nasceu a necessidade ou a vontade de colocar as pessoas a discutir muito objetivamente e sem qualquer tipo de preconceitos, estrados ou púlpitos, problemáticas que lhe digam diretamente respeito ou que lhe digam particular respeito.

Pelas mãos do companheiro Emanuel Sancho, da direção do MINOM, responsável pelo projeto do Museu do Trajo, em S. Brás de Alportel, do Pedro Leite e da Lorena Querol, chegámos poucos meses depois, a 19 de Junho, ao encontro “Oralidade, Memória e Esquecimento”, realizado no Museu da Ruralidade, em Entradas-Castro Verde. Aí, nasce o primeiro Núcleo do Minom criado à luz da descentralização provocada em Monte Redondo.

Este Núcleo, entretanto batizado como NUOME – Núcleo da Oralidade, Memória e Esquecimento, que pelo facto do seu primeiro encontro ter tido lugar em Entradas, tem aí de forma informal, a sua sede, integra a estrutura polinucleada do MINOM, e procura aprofundar o potencial de inovação museológica oferecido pela Museologia Social, nas mais diversas áreas de intervenção e ação.

Se a génese deste Núcleo partiu do interesse de alguns atores e atoras da museologia sobre aqueles temas genéricos enquadrados num conceito mais amplo, mas que nos serve para já, que é o da imaterialidade, e da perspetiva de introduzir algumas dinâmicas que ganhe, envolva e dinamize técnicos e museus em torno desta problemática, o NUOME chega aqui a Setúbal com a vontade de extrapolar um pouco esse território e ser um veículo efetivo de discussão e, acima de tudo, espaço de fórum entre todos aqueles que, de uma forma ou de outra, estão ligados aos temas da Oralidade, da Memória, do Esquecimento, no mundo da investigação e, em particular, nas áreas da museologia.

Com muchas ganas, como diria a nossa madrileña Lorena, estamos hoje aqui em Setúbal. Nesta casa cujo patrono é, para todos nós, mas em particular para quem desenvolve a sua atividade no Alentejo, uma referência obrigatória na mensagem que trouxe à sociedade portuguesa para a preservação do imaterial; na atitude de perseverança que o levou, e que o levou a levar, ao mais recôndito lugarejo a salvaguarda valorização desse património através do seu registo que diariamente desaparecia; na coragem em ultrapassar o desdém que os iluminados sacristas da culta cátedra portuguesa lhe fizeram; na modernidade de métodos e abordagens que trouxe à realidade universitária portuguesa; na forma como divulgou e agigantou a cultura popular aos olhos de uma população que se descobria, muito devagar, numa televisão cinzenta, cheia de preconceitos e frases feitas. Se quisermos, na forma como a dignificou. E se o patrono é, pelas mais variadas razões uma referência, não o é menos todo o trabalho que em torno desta casa se tem efetuado há vários anos e que servirá, para nós, como uma experiência a ter em conta nas abordagens e nos métodos que utilizamos para desenvolver o nosso trabalho.

Pela forma generosa como foi acolhido este segundo encontro do NUOME, desde já um muito obrigado. E em particular a todos aqueles que abrem diariamente estas portas à valorização e promoção do nosso património em toda a sua dimensão.

Na viagem que trouxe o NUOME até aqui, não nos faltam motivos maiores para olhar este encontro como um passo de gigante no caminho que gostaríamos ver o Núcleo percorrer. Troca de experiências, aprofundar de conceitos, discussão alargada e simplificada dos temas que queremos escalpelizar, mas que estão como que magnetizadas à volta da memória e do fascínio das dinâmicas que se podem construir em torno das histórias de vida e da construção do discurso inerente a essas histórias:

Memória – Esquecimento – Oralidade.

Olhar, trabalhar, aprofundar estes conceitos de uma forma aberta com o fito maior de apreender. Até porque os tempos que hoje vivemos nos obrigam a procurar caminhos, sejam eles novos ou sejam eles outros, que nos possam saber entender e ajudar a adaptar ao paradigma da mudança que atravessa profundamente a nossa sociedade.

Para que possamos responder ao novo “Tempo Social”, que nos trouxe a transformação de atores e consumidores do produto cultural, e que é bem o reflexo da crise económica e dos dramáticos planos de austeridade que nos assaltam;

Para que possamos criar um novo “Tempo Público”, já que a maioria dos museus e dos programas de investigação, sofre um estrangulamento generalizado que, genericamente, pouco mais espaço de manobra lhes é permitido do que aquele mecânico abrir e fechar portas, que enquanto museólogos combateremos na perspetiva de ajudar a criar novos públicos a a consolidar os existentes.

Para que possamos responder à ausência do “Tempo Científico” reduzido a meia dúzia de bolsas e ao trabalho franciscano de alguns, cada vez menos, diga-se, que ainda têm um espaço nos quadros de autarquias e faculdades, onde de forma quase esclavagista se lhes permite desenvolver alguns programas de investigação, sem sabermos até quando.

Para que possamos desenvolver um “Tempo de Intervenção” na procura de novos caminhos e da emergência do espaço e da iniciativa museológica enquanto elemento proactivo de mudança.

Na construção de um “Tempo de Parcerias”, para construir novas fórmulas de colaboração e novos fóruns de discussão, conseguindo ao mesmo tempo a maximização de recursos na construção de conteúdos de qualidade, que cheguem mais longe, que provoquem mais interação.

Na valorização do “Tempo de Memória”, perspetivando a construção de um discurso museológico e científico inovador mas que, acima de tudo, promova a oralidade como elemento preponderante na reativação do papel social do Museu. No dar voz à especificidade dos patrimónios locais perspetivando a dignificação do ser humano e da sua experiência de vida enquanto paradigma do social. E tendo como premissa a certeza de que a museologia tem de privilegiar “a comunicação, a criatividade, a assunção crítica de cidadania”, como defendia aqui em Setúbal, em 2007, o saudoso Alfredo Tinoco ao defender que “A renovação de um museu será radical ou não será”.
Obrigado por nos receberem. Obrigado por estarem aqui connosco.

Miguel Rego



Sem comentários:

Enviar um comentário